"Uma vida não questionada não merece ser vivida." (Platão)

Salmos 1
1 Felizes são aqueles que não se deixam levar pelos conselhos dos maus, que não seguem o exemplo dos que não querem saber de Deus e que não se juntam com os que zombam de tudo o que é sagrado!
2 Pelo contrário, o prazer deles está na lei do SENHOR, e nessa lei eles meditam dia e noite.
3 Essas pessoas são como árvores que crescem na beira de um riacho; elas dão frutas no tempo certo, e as suas folhas não murcham. Assim também tudo o que essas pessoas fazem dá certo.
4 O mesmo não acontece com os maus; eles são como a palha que o vento leva.
5 No Dia do Juízo eles serão condenados e ficarão separados dos que obedecem a Deus.
6 Pois o SENHOR dirige e abençoa a vida daqueles que lhe obedecem, porém o fim dos maus são a desgraça e a morte.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A graça de Deus

A graça de Deus na sociedade e na economia


Por Ariovaldo Ramos


"porque se apresenta como um dever-ser, como o projeto histórico de Deus."


Hirata


Falar, penso, nesse tema é falar do reino de Deus. O reino como utopia é a graça nos dando direção.
"Buscar o reino e a justiça de Deus, significa trabalhar para mover o mundo na direção das prioridades do reino"  Howard Snyder

Gostaria de, como ilustração, apresentar um possível desenvolvimento dos princípios numa situação dada, no caso, nossa realidade nacional.
Jesus Cristo, segundo o registro de Mc 10.42-45"(blh), disse: "Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e os seus grandes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vocês deverá ser servo; e quem quiser tornar-se o primeiro deverá ser servo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos".

Jesus Cristo preconizou uma nova sociedade, cujo poder governamental seria exercido por meio do serviço a todos. Uma sociedade de cidadãos, onde todos seriam cidadãos, pois, só uma sociedade em que o governo assume a sua vocação de servo, de todos, é que a cidadania floresce.

Na sociedade do Cristo, o poder deveria ser exercido dessa forma para que a sociedade pudesse cumprir a sua vocação, qual seja:

uma sociedade onde o uso da terra fosse regulamentado, tendo em vista o bem de todos, pois, como disse o profeta Isaías: Deus não admite que alguém possa comprar casa sobre casa e terra sobre terra até ser o único morador do lugar. Na sociedade do Cristo a terra teria de ser repartida entre todos, pois é para todos. Este tipo de coisa só acontece quando o governo está a serviço de todos.

uma sociedade onde a riqueza fosse distribuída com eqüidade, pois, como disse o apóstolo Paulo: Deus quer quem colheu demais não tenha sobrando, e o que colheu de menos não tenha faltando. Uma sociedade com consciência de coletividade. O que só acontece quando o governo está a serviço de todos.

uma sociedade onde o trabalhador usufruísse da riqueza que produz, pois, como está escrito: o trabalhador é digno de seu salário e mais, não se pode amordaçar o boi que debulha o milho, isto é, aquele que produz deve ser o primeiro a usufruir do que produziu. Uma sociedade de trabalhadores para trabalhadores. O que só acontece quando o governo está a serviço de todos.

uma sociedade onde a criança fosse prioridade, pois, Deus não quer que nenhum dos pequeninos se perca, e ameaça com duras penas a sociedade que desviar as crianças de sua vocação divina: vocação à saúde; à educação; à segurança; à longevidade; ao emprego – enfim uma vida que possa ser celebrada. O que só acontece quando o governo está a serviço de todos.

uma sociedade onde os orfãos e as viúvas, isto é, os que tudo perderam, não ficasssem desamparados, pelo contrário, parte da produção seria destinada exclusivamente para estes, para que não houvesse miséria na sociedade. Uma sociedade onde todos desfrutassem do direito à dignidade. Uma sociedade de cidadãos, pois, só onde há dignidade há cidadania.

uma sociedade onde o idoso fosse referencial de sabedoria, nunca um fardo, pois, na bíblia, o idoso é o conselheiro que ajuda o jovem na sua caminhada e, por este é visto como um mentor, como alguém que é guardião dos valores que devem nortear a sociedade. Alguém que deve ser honrado, o cidadão por excelência, pois construiu e legou para as gerações que o sucedem.

Na sociedade preconizada por Cristo o conjunto de cidadãos é o estado. E todos são cidadãos. Por isso, o governo estaria a serviço de todos. E estar a serviço significaria que o governo estaria sob o controle da cidadania, E porque o governo estaria sob o controle, os direitos humanos seriam respeitados. E onde os direitos humanos são respeitados há previdência, isto é, o futuro do cidadão estaria assegurado, ou seja, o cidadão seria o beneficiário da riqueza que produziria. E mais, previdência seria um conceito que abrangeria não apenas a saúde ou a velhice, mas a escola, a segurança, o emprego, o lazer, enfim, tudo o que dá qualidade à vida. Nesta sociedade, o governo seria um agente previdenciário, e o futuro seria, não como algo que quanto mais remoto melhor, mas como uma sucessão de presentes, onde cada dia traria a garantia de um futuro assegurado.

No Brasil estamos com sérios problemas na questão da previdência e dos direitos humanos, porque o Brasil não é uma sociedade de cidadãos. Há cidadãos, mas são poucos, o resto é o povo.

Os cidadãos são os que detêm o poder econômico, são os que financiam a classe política, eles é que são representados, é a quem o governo serve. Para tais não há problema de previdência ou de respeito aos direitos humanos, pois, todos os seus direitos são respeitados.

Como já foi propalado, vivemos o "apartheid" no Brasil. De um lado os detentores do poder econômico, doutro lado o povo. Dizem aos membros do povo que eles, também, são cidadãos, porém, é uma inverdade, pois, o povo não tem direito ao voto, tem a obrigação do voto, e vota só para legitimar o que os poucos cidadãos já decidiram. O povo vota, mas, não veta, e quem não tem o poder de veto, de fato não exerceu o direito do voto, porque não tem como obrigar os eleitos a serem os representantes que deveriam ser, consequentemente nunca terá seus direitos respeitados. Quem respeita gente que só serve de massa de manobra? E mais, o voto do povo tem sido fruto de grandes campanhas de marketing, que o leva a sufragar alguém com quem não tem a mínima identificação, de quem nunca mais saberá nada, até que, através de outra campanha de marketing, seja chamado a legitimar os desejos da classe dominante.

Durante o mandato de seus pretensos representantes, uma vez que constitui a maioria da população, o povo terá de engolir falácias de todo o tipo, tais como:


1- A solução é a privatização. Solução do que ninguém explica. Solução para a saúde da empresa, certamente não é, pois, a solução para a saúde de qualquer empreendimento é a boa administração.

2- Todo subsídio é danoso, empresa estatal só pode cumprir o seu papel social com eficiência, se for lucrativo. Nunca é dito que empresas estatais, com estratégico papel social, não têm de ser eficientes, têm de ser eficazes, não é uma questão de fazer "certo" as coisas, mas, sim, de fazer as coisas certas, isto é, de cumprir o seu papel social. Por exemplo: o trabalhador não paga imposto para que a empresa municipal de transporte urbano dê lucro, mas para que possa ser transportado com dignidade.

3- Que o grande problema é a inflação. Nunca é o desemprego, a miséria, o analfabetismo, os baixos salários, a fome. E que para resolver este grande problema tem de haver mais desemprego, mais salários baixos, mais miséria e mais fome. O povo cede e problema nunca se resolve. Quando parece que agora vai...surge uma nova crise e mais sacrifício.

4- Que não há dinheiro para os programas sociais e, muito menos, para a previdência social. Que o fardo que a previdência carrega é por demais elevado. Mas como pode ser por demais elevado se o trabalhador apenas quer aquilo pelo que pagou, e sempre recebe muito menos? Por que não é dito que num órgão onde a corrupção caminha de mãos dadas com a impunidade não há dinheiro que cheque? Que o trabalhador paga, porém, a sonegação desvia o dinheiro e não há combate sério a esta? Que num país em que as grandes fortunas não são taxadas, em que o capital especulativo tampouco é devidamente taxado, assim como os lucros astronômicos das instituições financeiras, nunca haverá mesmo recursos para projetos sociais?

Que fazer diante disso? É preciso um milagre. Não o milagre sobrenatural, mas o milagre da conscientização, o milagre que abre os olhos. Cada trabalhador, cada marginalizado tem de se conscientizar de que povo é uma categoria que não existe, ou se é cidadão ou não se é nada. Cada um destes tem de se conscientizar de que para que os seus direitos sejam respeitados, para que o governo não lhe engane com falácias, ele tem de fazer-se cidadão, ou seja , tem de se ver como alguém a quem o governo tem de servir, tem de transformar a obrigação do voto no exercício do direito de votar, votar só naqueles sobre quem tem o poder de veto, e transformar isso em lei. A categoria povo tem de ser substituída pela categoria sociedade – sociedade de cidadãos. Sociedade onde a lei é para todos; que tem um projeto de estado – estado previdenciário. A recentíssima história tem nos feito ver, que onde a consciência de cidadania triunfa, as forças progressistas são sufragadas e, consequentemente, desaparece o povo e surge o cidadão e a sociedade. Que assim seja em Nome do Senhor Jesus Cristo.

A tarefa da Igreja é tornar-se instrumento da graça em toda a sua abrangência. Penso que, neste caso, ser agente da graça é ser postuladora e conscientizadora das políticas do Reino de Deus.

Creio que a Igreja Brasileira precisa deixar de apenas usufruir a graça para tornar-se propagadora da graça. Em cada um dos quesitos levantados há o que fazer se a igreja brasileira quiser, de fato, ser agente da graça em nosso território.


Ariovaldo Ramos é casado com Judith Ramos e têm duas filhas: Myrna e Rachel. É filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial.